​"Cabe-nos a tarefa irrecusável, seriíssima, dia a dia renovada, de - com a máxima imediaticidade e adequação possíveis - fazer coincidir a palavra com a coisa sentida, contemplada, pensada, experimentada, imaginada ou produzida pela razão." Goethe​

TERNURA


Quando uma doce e suave claridade
alcançar-te o átrio do peito 
e orvalhar um salmo da manhã
em teus olhos

E os teus olhos com novo brilho
compreenderem 
que o esplêndido das aves
e seu idioma de asas ritmadas
atende somente
ao cântico dos anjos

Saberás enfim, o que é ternura

E então terás razão diante às gravidades 
que te assolam o peito

...Mas, a esta altura
todas as tuas crenças
já estarão revisitadas 

Assim, quererás para ti
a memória infinita das pedras
e a sonância zelosa das estrelas

Uma mansidão te embriagará a alma
e nenhuma noite mais te será fria. 



Lucy Mara Mansanaris /fev de 2020
Imagen; INDPNDT PHOTOART DE

O QUE ECOA


Sou aquela
raspadinha de dedos
nas cordas do violão

Alguns gostam
por saber que faz parte
da construção do som

Outros se incomodam
e filtram da forma
que lhes parece
bom

Já outros ignoram
completamente
por não se deixarem tocar
por nenhuma canção.


Lucy Mara Mansanaris em 2018
imagem: Google



CATIVA


Porque sei que vens
os sentidos todos
...bobos; valsam
ao teu encontro

Pés de absinto
e glicerina
...meias finas com laço
num dos lados
e um bordado branco
emoldurado nos quadris

...Os olhos contornados
por um fogo cintilante
- dois quadrantes
rendidos -

Nos lábios
a querência massacrante:
- respirar o mesmo ar das estrelas
do teu céu, na potência
de tua boca toda -

Aprisionar-te
no perfume dos meus cabelos
...para que te percas
e te acostumes
a perder-te; ainda mais

Para que te percas
e eu te adivinhe
...para que te percas
e te alinhes
em minhas digitais

...Porque sei que vens
já te tenho em mim
assim...
...docemente cativa
Num fluxo constante
ardendo por expectativas.



Lucy Mara Mansanaris em 2020
imagem: Google


ABRIGO-ME


Imaginei-te aqui, dando-me bom dia
como quem celebra, pura e simplesmente
a alegria de mais um dia
de vida... de nós, vós, eles
da semente, do grão, da pétala e da pedra
...como se tudo ainda estivesse
por nascer

...No café, imaginei-te ao meu lado
rimos, por entre vapores
sonhamos, os dias todos
que ainda nos restavam pela frente

Imaginei-te sempre
em cada coisa
imaginei-te tanto
que a tua ausência nunca estivera aqui
...eu mentia para mim

E fui te imaginando tanto, tanto, tanto
que, em alguns momentos de lucidez
eu me parti... e tudo fora pausa
...ah mas dali a pouco, ali na frente
logo me vinha uma outra ilusão
...uma outra doce ilusão
e tu voltavas... pleno
o peito, uma pátria inteira erguida
com os carinhos que eram meus, para ti
e que eu imaginava de ti, para mim

E foi lindo te imaginar assim
foi bom, realmente bom
...mal sabia eu, que as estrelas que vi
nas noites nubladas que me negava
...essas estrelas estavam em mim
...que tu não estivera aqui,
mas estavas em mim

Ah, golpe duro de lucidez
não sei por que, a essa altura
a loucura me abandona

...Eis-me aqui!
Feito aquela pedra que celebrávamos
no café da manhã
estática, abismada e cheia de estórias
só que sem ninguém para ouvir
sem tu para me ouvires

Ah, eu imaginei tanto... menos isso!
Essa realidade crua e nua
...e não sei se tanto bem ou tanto mal me fiz
não sei como me moldei
...ainda é cedo,
a lucidez ainda é recente
...mas o que sei,
é que diante dessa cruel realidade
eu ainda consigo sorrir...

Sim... eu aceno com a cabeça
um sim para mim mesma
...enquanto que a paz me chega
pelo gesto sereno de um riso

...Eu ainda me pertenço
e consigo me fazer bem.


Lucy Mara Mansanaris em 2019
Imagem: Google




UM QUERER DE ASAS




Alguns dias
na amplidão azul
salpicam-se algodões
que nada interferem
no magnífico das aves

Entre elas te procuro
e também por detrás
de cada nuvem
e te busco urgente
com pena de mim

Não como a pena das aves
que as libertam
mas com a unção desse azul
incompreensível
às nuvens e às saudades

...Insisto... Em tanto céu
há um querer de asas. 



Lucy Mara Mansanaris em 2019
imagem: Google



CONVITE

 

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Vem... e mergulha nos meus olhos
preciso que vejas, ao menos uma vez
o espanto e pesadelo
que a tua ausência deixou em mim

Suplico que venhas
que te sentes um pouco, que sintas
esse meu pânico em prosseguir
sem a segurança de tuas mãos nas minhas

Preciso que sintas o quanto
agora sou sozinha
pois que depois de tua partida
eu me inclinei às despedidas

Preciso que vejas... quantas feridas
em teu lugar
o quanto ficou difícil confiar
e a insistência em tentar me ocupar

Pra não sentir... e servir em mim de novo
sem ter que guerrear com a dor
...servir à alguém
que precise de algo de mim
assim como precisei de ti

Para que eu não me sinta tão estranha
para que eu possa voltar pra casa
ao fim do dia
...depois de chorar um tanto pelo caminho
e jurar que já doeu tudo que tinha pra doer

Eu preciso que me digas o porquê
pois que os olhos perdidos em lágrimas
muito pouco vêem e nada compreendem
- desse paraíso inteiro, descumprido
e a alma toda marginalizada.



Em 2018
Imagem: Google



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