​"Cabe-nos a tarefa irrecusável, seriíssima, dia a dia renovada, de - com a máxima imediaticidade e adequação possíveis - fazer coincidir a palavra com a coisa sentida, contemplada, pensada, experimentada, imaginada ou produzida pela razão." Goethe​

O AMOR, MEU AMOR



O amor, meu amor
precisa voltar; precisa saber voltar no tempo
e recordar, a música do riso
do primeiro olhar que nos floresceu
os espaços todos, para que coubéssemos
um no outro...
...precisa das amnésias dos momentos
em que os beijos respiram
o mesmo ar, em nossos pulmões
celebrando os arrepios sufocados
entre as peles

O amor, meu amor
adoça-se com o que temos
á nossa volta,
os frutos daqueles sonhos todos
que ousamos um dia...
...e a lição das pedras, que juntos
em tantas coragens, permitimos
que se avizinhassem a nós
sem sabermos que estas mesmas pedras,
semeariam a mansidão no espírito
diante dos nossos impossíveis

Meu amor, o nosso amor precisa voltar
e se voltar a nós
...naquele tempo em que juntos, descobríamos
uma nova forma de brincar com os desejos
(quando ainda metamorfoseavas
os meus medos com as pétalas dos teus dedos)
...os nossos corpos celestes,
em anatomias sentimentais...
...o templo de nossas quatro paredes
e o perfume íntimo das memórias, tão nossas

Meu amor, o nosso amor é tudo
o que temos feito nessa vida
todos os pesos e medidas, os nossos
tantos olhares, amparos e desamparos
(frente a frente, lado a lado, juntos
correndo atrás...)
...o suor e as nossas lágrimas
quase sempre, na mesma direção
como que as águas de um rio...
e os nossos risos
[na justa compreensão de que
nem sempre fomos justos]
...os limites de um perdão sem limites
que sempre foi
a nossa melhor versão

O amor, meu amor
tantas vezes se cansou,
saiu pela porta, abriu asas
e voltou... fragmentando delírios
e incompreensões...
(sofrimento menor e melhor, a dois)
porque entre mil, elegeu um
motivo a mais para prosseguir,
repetindo-se... insatisfeito
...re_feito!

...Como se o amor, meu amor
fosse perfeito
e se soubesse, amuleto

...Como se o amor, disposto a ser
pudesse se satisfazer
por completo.



Lucy Mara Mansanaris
imagem: deposiphotos 



CIRANDA DE HIATOS


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Um burburinho de alma
numa ciranda de hiatos
domestica sinceridades 
solitárias e viajantes

Peregrinam estações 
num roteiro de intenções
e declinam, carentes
para o lado de dentro
num único intento
- romper com as nódoas 
d'um tempo de chuvas
que agravava distâncias
despropositais

Sonhos puídos, levados sonhos,
trazidos, frente aos olhos,
borboleteiam translúcidas águas
amargas salgadas
atemporais

Lavam as mãos
(não se pode fazer mais nada)
lavam as mãos [e os nãos]
enquanto que
as linhas das mãos
(em íntimo acordo)
aguardam o seu cumprir.


imagem: Hearing.1s


LÓTUS


 Num dia qualquer, de um ventre santo                
despontei; duplicada               
a minha parte, mal formada               
          

Nasci endividada                
com pouca graça                
e nenhuma lucidez                

Um fogo nos ossos, cravejado                
e uma alma breve, enjaulada                

O corpo, uma casa vistosa                
desgraçadamente cobiçada                

Fui quase tudo e passei                
      bem longe de ser suficiente                
quando nada; permaneci                

Tentei ser gente                
e para cada ventura de sonho sofri                
um açoite da realidade malfadada                

E foi no mato que tive abrigo               
tudo que é terra, bicho e pedra               
parecem me querer bem               

Por vaidade, arranho as cordas              
de um violão, e cantarolo              
uns versos pobres decadentes              

[Poetas são aves, pássaros letrados              
e eu sou chão, quase indigente              

Dizem os pássaros, seres alados              
que é triste o meu fado, inverso e carente]              




imagem: Google

PRECE


               Prometo-te coisa alguma
          apenas peço, que te deslumbres
          com o canto novo de cada manhã
          e tomes todos os sonhos que quiseres
          para que os teus pés valsem
          ainda que estreitos; mas sem medo algum

               Que desavises o teu coração
          da dor cortante das saudades
          e te permitas, seres seduzido
          por aquela lembrança pequena
          (quase que esquecida)
          que ela acorde o teu peito feito canção
          abrindo e floreando as janelas
          de tua alma

               Que os teus olhos sejam amigos de ti
          e carícias a tudo o que existe,
          que vejam com clareza e justiça
          e compreendam
          que a loucura, em alguns momentos
          é a única salvação


               Prometo coisa alguma
          pois que te desejo uma liberdade incondicional
          ...lugares para retornar e novas estradas
          o certo e o errado,
          o permanecer e o passar,
          [o reerguer-se constante]
          e a morna melodia dos entardeceres
          que nada sabem da noite
          e usam de todo instante
          para sonhar

               E que as noites te acolham
          em unção de asas almiscaradas a sândalos
          e mantos floridos de estrelas
          serenando o teu coração
          a tudo que sensibiliza, aflora e multiplica 

               Prometo-te coisa alguma
          além do frescor das incompreensões
          que me tomam,
          rompem e alongam, os gestos mais simples
          sempre em tua intenção. 


imagem: Google


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